Reencontrei uma amiga. Há muito não nos víamos. O abraço foi apertado, transmitiu amor. Ela sorriu, perguntou como eu estava, revelou sua saudade. Eu retribuí com sinceridade, sentimento motivador das afeições verdadeiras.
O bom papo durou algumas poucas horas e no fluir das palavras, algo foi mudando. Era como se eu visse uma rosa, aos poucos, ir murchando. Olhar tristonho se fez, palavras pausadas demonstraram dor, respiração profunda acendeu sinal de alerta em mim.
Parei de falar, era hora de ouvir, não antes de pronunciar a pergunta fatal: está tudo bem?
O que se seguiu foi o relato de uma mulher forte, corajosa, empoderada… machucada, dolorida, decepcionada. A voz acelerou, era a resposta a necessária ação da escutatória. A expressão no olhar dizia: “Finalmente, alguém abriu os ouvidos para conhecer um pouco da minha dor”.
Dor… muitas de nós mulheres fomos ensinadas a “engolir o choro”, paralisadas na sintomática ordem social a nos empurrar um otimismo tóxico que nos obriga jogar a poeira para debaixo do tapete. Lixo acumulado, ferida sangrando coberta pelo silêncio.
“Coloca para fora amiga, não guarde os sentimentos ruins, não finja que eles não existem, você não precisa fazer isso, não precisa sofrer calada e nem sozinha”.
Muros desabaram! Diante de mim, uma flor que só queria ser regada com carinho. Linda, porém, revestida pelas sombras de uma mordaça a torná-la invisível.
Invisível… assim ela se definiu. Sentia como se o mundo a olhasse, mas não a enxergasse. Todos ocupados demais para conhecer a sua história com profundidade. A maioria dos que cruzam seu caminho limitam-se a perguntar se está tudo bem, mas demonstram pouco ou nenhum interesse em ouvir a resposta real. E quando as primeiras palavras se atrevem a sair, a resposta é sempre igual: a vida é assim mesmo, levanta a cabeça, você é uma mulher forte.
Porcaria de discurso pronto! Em nada ajuda uma mulher desejosa apenas de ser ouvida. Minha amiga queria mesmo era encontrar alguém que enxergasse a sua alma, olhasse-a no fundo dos olhos e a fizesse perceber que sim, ela podia chorar, falar, sentir a raiva abafada pela lógica clássica dos que adotam o discurso de que a raiva é um sentimento negativo e não pode ser sentido.
Pode sim! Só não pode ser alimentado. As vozes do mundo nos empurram no abismo do disfarce, máscara para tapar a realidade necessária de ser expressa.
Há momentos na vida que o que menos queremos são frases decoradas a nos repetir que tudo irá ficar bem. Em instantes assim, a gente só quer colocar toda a sujeira guardada para fora, sem julgamentos, sem olhares nos colocando no papel de coitadas, apenas entendendo que somos gente, sofremos e choramos como qualquer um. Não significa que iremos desistir, só que não somos fortes o tempo todo, e nem temos essa obrigação.
Chorar, falar, reconhecer o que se sente, mesmo que seja o pior dos sentimentos, é preciso. Como nos esvaziar deles, como arrancá-los de nós se nem ao menos temos a cruel permissão para admitir a sua existência?
E quem é que precisa de permissão para isso? Somos donas de nós mesmos e se quisermos gritar nossa dor, assim o façamos. Não é falta de fé e nem pessimismo calculado, é só a extirpação de nossos próprios demônios. Não os deixemos fazer morada dentro de nós, nos dominar. Isso sim seria trágico.
Minutos de choro copioso depois, ela respirou fundo. Lágrimas enxutas, sensação de alívio. Olhei em seus olhos e vi o meu reflexo. Tive de encarar o espelho da vida. Mulheres… nem sempre fortes, empoderadas, donas de si, ninguém consegue ser assim o tempo todo, porque nós seríamos?
Mulheres… diante de pessoas que fingem nos ver, mas nos tornam invisíveis!
Por Nice Almeida