Por Nice Almeida
Posicionei-me confortavelmente na cadeira. Há dias estava ansiosa por aquela leitura. No íntimo, fervilhava a curiosidade de conhecer essa história real lida rapidamente nas páginas do Google, e que agora se estendia para sua obra original entitulada de ‘Holocausto Brasileiro – Genócídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil’, da jornalista Daniela Arbex.
Posto na rede social como referência. Sempre faço isso. Lá, um amigo logo avisa: “Não consegui terminar…é forte!”. Concordei, mesmo tendo lido ‘apenas’ o prefácio.
E que prefácio é esse… ‘Os loucos somos nós’. Traz a assinatura de Eliane Brum e já aponta para uma leitura visceral a despertar reações e sentimentos profundos e intensos, muito mais emocionais do que racionais. Bem minha cara! Até aí, tudo ok!
Primeiro capítulo. O pavilhão Afonso Pena. A respiração fica ofegante, o coração dispara, as pernas perdem as forças, o corpo estremece. Eu choro! Entendo com mais profundidade o aviso do amigo. Fecho o livro. Estou criando coragem para continuar. Já faz uma semana. Ele está ali, ainda fechado. Perco o fôlego sempre que penso em reabri-lo.
O livro-reportagem de Daniela apresenta, sem máscaras nem vendas, uma verdade sem adjetivos para descrever uma realidade tão cruel, e tão recente na história do Brasil. Homens, mulheres e até crianças vítimas de uma carnificina escondida em uma edificação idêntica aos campos de concentração.
Com um olhar profundo, sensível e real, Daniela Arbex reconstrói a história do Hospício Colônia, em Barbacena, no Estado de Minas Gerais, que funcionou por quase um século e se tornou símbolo de violência e descaso na saúde mental brasileira.
Desumanidade. Crueldade. Abominação.
Enquanto escrevo, o estômago dói. Os pulmões tentam puxar o ar. E eu só li o prefácio e o primeiro capítulo.
Outro amigo me aconselha: “É uma leitura necessária para você que faz palestras, especialmente na perspectiva do machismo que ainda massacra tantas mulheres. Tente ler sem entrar na história, ela não é a sua história”.
Ainda não sei como fazer isso. Cada relato, cada imagem registrada arranca minha alma de mim. Me transporto para um horror sem conseguir controlar a viagem.
A memória abre um parêntese, traz Nise da Silveira para a tela mental. A psiquiatra rebelde! O oposto do oposto dos soldados do mal, habitantes do Hospício Colônia.
Não tão longe daquele campo de concentração em Minas Gerais, Nise foi a mulher, o sol que conseguiu surgir no céu mesmo frente às sombras da noite. Disse não às formas agressivas de tratamento da época, tais como a internação, os eletrochoques, a insulinoterapia e a lobotomia.
Fundou, em 1946, a Seção de Terapêutica Ocupacional. Foi também pioneira no Brasil na pesquisa das relações afetivas entre pacientes e animais, aos quais chamava de co-terapeutas.
Lembrança amenizadora, faz meu coração voltar ao ritmo certo, encontrar o ar tão buscado pelos pulmões. Apego-me a sua imagem, a sua história.
Com a alma de volta ao corpo, mantenho o ‘Holocausto Brasileiro’ na estante. Voltarei a abri-lo em breve. Quando assim o fizer, retornarei com essa história. E, embora ainda não esteja com tanta autoridade, a recomendo. Essa verdade vivenciada no Brasil precisa ser conhecida, cada vez mais, para nunca mais se repetir.